domingo, 10 de julho de 2011

Ethan e Annie

-Er... você tem um cigarro?
Levantei a cabeça lentamente tentando disfarçar o susto. Ela deveria ter percebido um brilho descomunal passar pelos meus olhos, porque somente uma sobrancelha daquela angelical criatura se arqueou e com seus magníficos olhos, piscou duas rápidas vezes.
Eu não a havia notado ali. Estava tão empenhado em localizar Annie dentro do clube que não reparei numa figura na sombra fazendo sei la o que. E ela estava aqui, agora, me olhando dentro dos olhos, de azul para azul, me pedindo um cigarro e sorrindo meio boba, meio impaciente. Passei as mãos nos cabelos completamente sem graça. Estendi o maço para a garota que fingindo timidez pegou dois.
-Dois se não se importa.
Ela riu tão delicadamente que tive que controlar para não beija-la. Annie continuou a encarar meus olhos.
-Hei, achei que tinha visto seus olhos passaram do castanho para o azul.
Lancei-lhe um sorriso falso que a fez estremecer. Ela estava encantada. Não que eu tivesse lhe lançado algum feitiço.
-Deve ser a sombra.
-É, deve ter sido. O que faz aqui fora? Não vai entrar?
Ela disse apontando para o clube. Eu estava começando a me recompor.
-Não acho interessante ver aquelas mulheres dançando. Parecem estar fazendo algum tipo pornografia com o pensamento e expressam vulgarmente o corpo usando os movimentos.
Sua boca abriu sensualmente.
-Entendo. – sua expressão pareceu voltar ao normal, quebrando o encanto do momento anterior. – Bom preciso ir, não é seguro andar tão tarde. Obrigada pelos cigarros.
Sorrindo novamente ela me deu as costas e começou a descer a rua escura. Ela não tinha medo. Isso era algo ruim. Annie não me pediria para parar se eu quisesse algo com ela.
Ela parou no meio da descida. Annie estava voltando e eu era um burro. Não consegui ser nem um pouco interessante. Parando na minha frente ela me encarou de um modo penetrante e extremamente irritante.
-Você sabia que aquelas mulheres a quais você se referiu tão arrogantemente dançam para ganharem à vida? Elas não são objetos do sexo como você deve estar pensando. E também não são todas que possuem dinheiro para comprar luxos como estes! – disse apontando para o meu terno.
Eu não havia percebido antes essa raiva. Ela se esforçava para não berrar e insistia em me cutucar no peito com seus dedos magros. Seus olhos pareciam brasas de fogo. E eu ali, com a fisionomia abobalhada e divertida.
-Hei, hei, quer se acalmar? Não quis lhe ofender, muito menos elas. Só não gosto de vê-las dançando.
-Você é gay?
Essa era boa. Eu, Ethan gay. Ela realmente era divertida. Eu poderia ter me salvado da paixão eminente se ela fosse carrancuda.
-Não. – disse entre risadas e ela me acompanhou, mas parou abruptamente.
-Então você pelo menos já as viu dançando?
-Hoje mesmo estive lá. E vi você, depois disso não consegui vê-las realmente.
Ao contrario do que pensei suas bochechas não ruborizaram, ela apenas armou um bico e desceu a rua novamente sem falar nada. Eu era um imbecil, não sei como, mas havia feito à moça se chatear por elogiá-la. Ela parou novamente e virou para me encarar. Eu comecei a rir. Ela era completamente impulsiva, intensa e indecisa.
Com um suspiro pesado ela voltou a caminhar em minha direção.
-Vai começar a gritar de novo?
Ela olhou para mim desafiadoramente.
-Eu não tenho fogo.
-O que?
Ela olhou para mim como quem diz “Você é burro?”.
-Eu preciso de fogo para acender o cigarro se é que você me entende agora. – ela parecida estar falando com alguma espécie retardatária e meio que gesticulava com as mãos numa tentativa de mímica.
-Entendo, tenho o dom de compreender as coisas facilmente. – lhe expliquei muito sério, mas ela não pareceu se interessar.
-Ótimo, e ai? Vai me emprestar?
-Se você não gritar mais e me deixar acompanha-la eu posso lhe entregar o fogo.
Ignorando a minha palavra dita com sentido duplo, ela continuou:
-Sabe você não é o único homem que existe com um isqueiro aqui.
-Porem, foi a mim que você veio.
Outro suspiro. Ela se virou me chamando com as mãos. A acompanhei e lhe atirei o isqueiro. Ela o deixou cair.
-Eu não sou boa com reflexos.
-Então pegue o isqueiro do chão.
-Você é o cavalheiro. Você deve pegar.
-Você o deixou cair.
-Você o atirou sem aviso prévio.
-Mas você me pediu e não explicou como queria que eu lhe entregasse.
Bufando, ela abaixou e o pegou. Eu adorava ganhar uma discussão. Acendendo o cigarro ela tampou o isqueiro para mim me desafiando. Com uma mão o peguei e a outra estendi para cumprimentá-la. Ela sorriu. Com uma das mãos ela colocou um cacho vermelho para trás da orelha e a outra segurou a minha. Ela era quente. Assim como eu.
-Ethan Marback. Prazer.
Sorriso falso.
-Annie Chevalier.
Sorriu verdadeiramente.
-Agora seria à hora em que você diria “o prazer é todo meu”.
Ela deu de ombros.
-Não gosto desse seu sorriso falso. É escroto.
-Como você sabe que ele não é verdadeiro?
Como se poderia não sorrir do fundo da alma quando estava com Annie?
-Você não mostra os dentes.
-Vai ver é porque eles são feios.
Annie riu e parou de andar. Foi para a minha frente.
-Você é realmente estranha.
Ela sorriu e ameaçou tocar meus lábios. Não tive escolha a não ser sorrir, um sorriso sincero o qual não usava havia muito tempo.
-Eles são bonitos sim. São brancos, assim como a sua pele.
Quando olhei para baixo querendo encontrar seus olhos meus cabelos negros caíram na testa me obrigando a jogá-los para trás novamente. Ela era bonita demais para agüentar.
-Deixe-me ver você sorrir agora. .
-Eu sorrio a todo tempo...
Annie voltou a andar.
-Você estuda? – ela me questionou.
-Não, e você?
Ela me olhou de cima em baixo
-Você não parece formado. Quantos anos tem?
-Não respondeu a minha pergunta.
-Estudo como qualquer normal de dezenove anos.
-Faculdade? Qual curso?
-Ethan, quantos anos você tem?
Ela sorriu fazendo uma cara de quem não havia recebido uma pergunta.
-Vinte e seis.
-Então porque não estuda?
-Me responda primeiro.
Bufando ela me lançou um olhar de insatisfação e respondeu.
-Bom, faço artes. Por isso danço no La Rose.
-Para pagar a faculdade? Você não poderia simplesmente arrumar um emprego... mais comum? Menos expositor?
-Gosto do que faço, não opine, por favor. E todas as faculdades daqui são públicas, você deveria saber. Eu preciso comer, comprar roupas, pagar condomínio, por isso trabalho.
-E seus pais? O certo seria que eles pagassem isso?
-Porque você não estuda?
-Ta bem... vou responder. Meus pais não se importam... acham que eu... posso viver de herança.
-Que horrível! Herança não dura para sempre. Você não tem um sonho? Formar, exercer uma profissão?
-Você não me respondeu sobre seus pais.
-Argh!
-O que foi?
-Este questionamento está começando a me irritar!
-Eu não sou o único aqui que faz perguntas... – sem dar a ela uma chance de contradizer continuei -... mas porque? Porque não gosta de perguntas?
-A questão não é essa. Não tenho nada contra as perguntas em si. – ela começou a rir – são essas perguntas que não me agradam.
-São muito pessoais para serem respondidas a um estranho?
-Não, não considero você um estranho – continuou ela rindo ainda – só que não comento sobre a minha vida com ninguém.
-Bom, - disse sacudindo os braços – então você não deve ter muitos amigos... quero dizer, a maiorias das meninas costumam discutir sobre tudo da vida de uma e da outra.
-Eu tenho amigos! – Annie disse num ar de insultada – o problema é que eu não acho nem um pouco confortável discutir sobre essas coisas e fim do assunto!
Continuamos caminhando lentamente e sem dizer mais nada. Ela encarava o chão, mas ao contrário do que seria normal ela não parecia incomodada ou desconfiada com a minha companhia. Ela fazia parecer que nós dois andando assim, perto e descontraídos (no meu caso só a aparência que era pura descontração) era algo comum e certo. Como se ela gostasse de me ter ao seu lado. Isso seria uma coisa boa de se ser verdade.
-Você me disse que não me considera um estranho; por quê? Você mal me conhece...
-Ethan! – ela começou como se eu dissesse o maior absurdo do mundo – Você acredita firmemente que as pessoas precisam de anos para se conhecer?
-Não é isso... é que...
-Eu creio que olhando pros seus olhos existem muito mais palavras do que você poderia me dizer em cem anos. Sério. – afirmou quando eu fiz cara de incrédulo – Eu poderia fazer um relatório completo sobre você nesse instante.
Maluca, era isso que ela era.
-Não se pode dizer que conhece perfeitamente uma pessoa em tão pouco tempo assim. – teimei.
-Não, não. É claro que não, tenho a absoluta certeza de que é preciso muita conversa ainda para lhe conhecer perfeitamente. – disse ela pensativa.
Nós tínhamos parado de andar, mas só agora eu havia reparado.
-Você não sabe o que sou. Não sabe se sou alguém em que se pode confiar ou se é preciso temer com a minha companhia.
-Eu realmente não sei. Mas posso ousar ao dizer que você não me machucaria.
-Como você sabe? – disse a encarando com a mesma ferocidade das minhas palavras. Pareceu que sutilmente um temor passara pelo seu corpo. Era o instinto. Só que o dela parecia defeituoso.
-Eu tenho fé no melhor das pessoas – ela murmurou.
-Isso pode ser algo ruim. – disse desviando o olhar.
-Não se você não é ingênua ou inocente. – Annie voltou a se descontrair e a rir.
-É... você não parece inocente mesmo.
Ela soltou uma gargalhada gostosa e em bom som.
-Vamos voltar a andar – ela segurou minha mão displicentemente.
Lutei para solta-la. Depois seria mais difícil me controlar caso eu não a largasse. Annie pareceu não se importar.
-Você tem medo? – ela perguntou com a mesma displicência de antes. Surpreendi-me
-Eu?... de que?
-Não sei, você parece estar se detendo a algo, se poupando de uma vontade ou de um ato.
Minha vontade foi de lhe dizer que se não me controlasse ou ela estaria morta nos meus braços ou sendo beijada neles também. Porem contentei-me em dizer:
-Acho que todos nós temos que nos controlar um pouco não é?
-Eu não me controlo - Annie disse com uma cara de que isso fosse uma coisa totalmente normal.
-Bom, você foge um pouco das regras padrão... - eu ri um pouco pensando em como ela era diferente para mim.
-Sabe, não precisa se controlar comigo - continuou como se eu não ouvesse dito nada - acho que você poderia ser muito mais... interessante se parasse de temer a si mesmo e fizesse o que quer. Por exemplo; abrace-me se é isso que você quer agora.
Droga, ela sabia como me surpriender.
-Como você sabe que quero lhe abraçar? - disse nem um pouco convicente.
-É só um exemplo. - mas para mim parecia que Annie queria que eu a abraçasse.
Meio que sem graça eu parei e ela se surpriendeu por sua vez. Fiquei de frente para ela encarando os olhos hipnoticamente azuis. Pousei uma mão em sua cintura para traze-la mais de perto, mas inesperadamente ela falou.
-Chegamos.
Meio aturdido olhei para os lados. Estavamos em uma avenida com prédios por todos os lados. Na nossa direita havia um simples, branco que parecia só havia lofts dentro.Com a voz rouca perguntei:
-Você mora aqui?
-É o que acabei de dizer não foi?
Sacudi os ombros sem graça. De repente eu não sabia o que fazer. Como um moleque, assim como aquele homem, agora um cadáver havia me chamado. Vai ver, eu ainda era.
-Am... então, boa noite Ethan e obrigada por me acompanhar e tudo mais.
-Annie. - eu chemei me esquecendo que só se chama alguém quando se tem algo a dizer.
-O que? - ela perguntou falando baixo e parecendo esperançosa.
-Eu... er...
Não haviam palavras para descrever o que eu queria que ela soubesse. Então, apenas aproximei-me devagar e controlando para não ofegar. Eu estava muito perto agora.
-Você é fácil de se ler.
Ela disse quebrando o encanto e me surpreendendo.
-Não, não sou.
Eu estava mais perto.
-É sim.
-Então o que eu estou pensando agora?
Isso era muito fácil. Qualquer um que nos visse saberia que eu estava louco para beijá-la.
-Você, como todos poderiam perceber, esta se roendo de vontade de me beijar. Mas também está com medo. Medo de nunca mais me ter assim... tão perto.
Por mil infernos. Como ela sabia?
-E eu teria motivos para temer a isso?
-Se você fizer o que está querendo fazer; beijar-me, sim terá.
-Por quê?
-Pelo visto eu não sou tão fácil de ler.
-Nem um pouco.
-Porque se você me beijar agora, vai estragar toda a história.
-Por quê? Você não disse que não era para me controlar? - sacudindo a cabeça impacientemente ela delcarou:
-Porque assim, quando você acordar amanha, se lembrará apenas da dançarina que conheceu em um clube e que a beijou. Então eu serei somente mais uma.
Dizendo isso, sua delicada mão tocou a minha face e desceu rapidamente me deixando tonto. Ela virou as costas e como se voasse entrou no prédio me deixando na rua fria. Como um louco.